A 1ª Edição do “Templo D’Escritas: Festa Literária Internacional da Língua Portuguesa” terá lugar entre 6 de outubro e 3 de dezembro e trata-se de um evento que busca integrar a produção literária, cultural, intelectual e artística dos países da CPLP.
Durante 8 semanas, mais de cem autor@s, editor@s, crític@s e outr@s ator@s da cena cultural na comunidade dos países de língua portuguesa farão diversos painéis sobre temas relevantes para a literatura, a poesia e a crítica, bem como a respeito das políticas de cultura nos diversos países desta comunidade tão marcada pela diversidade. A mesa de abertura do “TEMPLO D’ESCRITAS: Festa Literária Internacional da Língua Portuguesa” terá lugar dia 6 de outubro, intitula-se “Literaturas de Língua(s) Portuguesa(s): deslocamentos e fronteiras”
O Amador reconduz seu gozo; não é de modo algum um herói; ele se instala graciosamente (por nada) no significante: na matéria imediatamente definitiva da música, pintura: sua prática geralmente não comporta nenhum rubato (esse roubo do objeto em proveito do atributo) ele é – ele será, talvez – o artista contra burguês.
Roland Barthes
Quem se apaixona por alguma coisa, em algum momento, acaba sendo trespassado pelo que o captura. É um imperativo ético seguir atrás das lentes quando os objetos, as pessoas, as arquiteturas giram, querendo nos dizer alguma coisa.
A princípio, livre do compromisso com a técnica, ser transportado para o cinema por puro apreço e no crescente, pelo amor.
O filme Amador, que expressa o fascínio de Filip (Jerzy Stuhr) pela câmara, cuja função inicialmente seria o registro dos primeiros tempos de vida da filha e posteriormente dos eventos da fábrica em que trabalha, conjuga algumas questões que poderíamos destacar: Por que o operário não pode sonhar com algo além de sua rotina? Por que devemos desprezar do cenário o bastidor das coisas? Quem disse que aquilo que tendemos a deixar de fora da cena não poderia ser, até mesmo, o mais importante?
Se a sensibilidade de Filip pode soar, a princípio, ingenuidade, praticar uma atividade ao sabor do gosto, consentir com a experimentação e se autorizar à liberdade de explorar o que não se convenciona, para além dos fins lucrativos e do caráter utilitário que rege as condutas na sociedade, talvez o aproxime mais do que Barthes nomeou “artista contraburguês”.
Porque a vida acontece no giro das perspectivas, e ao encará-lo, o autor acaba sofrendo uma espécie de vigilância constante, além de interferências por parte do sistema.
Os filmes de Kieslowski são conhecidos por tornarem notáveis as contradições humanas e toda uma série de questões existenciais, morais, éticas e sociais que afligem seus personagens. O diretor parece ter alcançado uma maneira absolutamente singular de filmar e fazer falar os objetos, como se primeiro viesse a câmara e depois a narrativa. Como se a câmara tivesse vida própria e se guiasse atrás das coisas em movimento. Como se ela corresse sempre atrás do seu motivo.
E Filip, por trás das lentes, vai sendo puxado para dentro do cinema. Filmar vira a atividade principal de sua vida, e esse novo fascínio vai se ocupando dele até se elevar acima de todas as outras coisas.
É o casamento que ressente o golpe da paixão. É o chefe da companhia que não desiste de tentar ter o controle sobre o conteúdo que há de ser mostrado ao mundo por seu funcionário, o que gera atrito entre eles.
A ordem de cima da fábrica exige que haja cortes. Querem eliminar das filmagens a transparência, a honestidade, a captura do olhar das coisas pelo diretor, revelando, também dessa forma, aspectos sociais e políticos da Polônia da época, que tentava controlar o que podia ou não podia ser mostrado.
O cineasta polonês, Krzysztof Kieslowski, também começa sua carreira de diretor fazendo documentários sobre a vida dos trabalhadores. Pessoas anônimas, que ficam geralmente fora da cena, excluídas, como rebotalho da sociedade, passam para a tela a ocupar um lugar central.
– Você vai ajudar alguns, outros você vai prejudicar. Siga sua intuição – diz o amigo, interpretado por Jerzy Nowak, com realismo.
Em uma passagem, Filip Mosz conversa no telefone com uma mulher. Do outro lado do vidro, sua esposa o vê. Ela parece perceber que ele fala com um amor proibido. A mulher ao telefone pergunta: O que te ocorre? Ele responde, claramente. Minha esposa me vê. A mulher aconselha: Corra atrás dela. Ele não se move. Ela pergunta: Já está indo? Ele responde: Não. Estou aqui.
Ele também continua a fazer o filme sobre a vida de um operário antigo da fábrica. Ele não consegue trair o próprio desejo. Ele mostra o bastidor das coisas e consente com o seu. Porque isso é muito maior do que o emprego na companhia ou o casamento. Isso diz de uma ética do viver, que, por sua vez, nada tem a ver com a moral.
Por que separar agora? Agora que estou entendendo por que razão estou vivo? Por que agora? pergunta ele à sua mulher. Porque eu quero outra coisa, ela responde. O quê? insiste Mosz. A mesma coisa que você queria no princípio. Um pouco de tranquilidade.
Isso não é verdade. Você não me ama mais, ele diz. Isso tornaria tudo mais fácil, ela conclui.
Se por um lado ele filmava a realidade que geralmente não se via, já que não costumava vir à público, era a realidade das coisas como elas eram. Deliberadamente.
Afinal, por que você fez esse filme? questionam os repórteres ao personagem de Krzysztof Zanussi, que interpreta a si mesmo como um diretor de cinema. Por que você fez esse filme chamado Camuflagem?
Eu fiz esse filme porque sinto que as pessoas honestas estão em desvantagem atualmente. Elas raramente têm sucesso. Muitas morrem na praia.
Então alguém lhe pergunta:
Mas é suficiente que um diretor acredite que ele está dizendo a verdade? Ele não deve também tentar provar isso? Sim, ele deve, mas esse é exatamente o nosso problema. Perguntamo-nos se o que estamos dizendo é verdadeiro ou sábio, sem podermos especificar como pode ser testado. Se por um lado, todos esperamos que nossos filmes ajudem alguém, que mudem a sociedade; por outro, encaremos a verdade. Não somos mais engenheiros da alma, capazes de mudar o mundo com a ajuda de uma varinha mágica. Os critérios são relativos. Não há regras rígidas e rápidas. Nós não sabemos. E essa dúvida é a nossa força.
Kieslowski parece aqui subverter o cogito cartesiano. De Penso, logo sou, para Penso,onde duvido. O próprio Descartes, m suas Meditações Metafísicas, ao questionar a existência de Deus, introduzindo a dúvida, desdobra a frase: Eu duvido, logo sou.
O psicanalista Jacques Lacan também encontra em Descartes o fundamento para formalizar o seu conceito de sujeito para psicanálise. De Penso, logo sou para Sou ondenão penso.
O ser artista estaria além do pensamento, além desse lugar que um poeta diria que perseguimos tentando ser fiéis a nós mesmos, e onde nosso espírito se entedia mortalmente. Um artista cria tateando o escuro quando seus espelhos se quebram.
É esse não saber que nos faz repetir as mesmas coisas várias vezes de forma diferente, diz Kieslowski. Repetir, repetir até ficar diferente, diria Manoel de Barros.
Rodar em torno de um mesmo objeto várias vezes, por diversos caminhos, por diversos ângulos, até conseguir extrair dele sua qualidade diferencial, não o que o cataloga no meio das outras coisas, mas o que dele é só dele: sua diferença, seu clarão, aquilo que um dia pode saltar ao mundo como uma espécie de novidade, uma evidência portadora de um saber ou a grafia de seu próprio silêncio.
Nesse percurso, acompanhamos de perto a solidão do personagem principal na construção do um caminho que não resiste em mostrar o que tenderia a permanecer escondido: o pouso de um pombo sobre a janela, a vida de um trabalhador comum, as contradições que revestem todos os seres humanos. Nisso residem sua dicção, seu charme e sua novidade.
Por livre associação, lembro-me de Cine Paradiso, quando o diretor faz um filme incluindo todas as partes cortadas. E assim voltam os beijos, todos os beijos um dia censurados.
É a materialidade poética na construção das imagens, fazendo vir à tona o que sempre esteve ali, mas que precisava de um olhar que o revelasse, para que pudesse existir.
Dobra de pensamento: O POETA É, AO MESMO TEMPO, AQUELE QUE ESCREVE E QUE É ESCRITO Annita Costa Malufe (poeta, ensaísta e prof. universitária, Brasil) Paula Vaz (poeta, psicanalista, Brasil) Daniella Zupo (escritora, jornalista, Brasil) Maurício Salles Vasconcelos (prof. universitário, escritor e ensaísta, Brasil) Daniel Osiecki (poeta, editor, Brasil)
Eis um livro, uma árvore que habitou o espaço da Cas’a’screver e agora se abre para fora de si. Leio assim esse livro: “tomar o partido das coisas = levar em consideração as palavras”. Leio com Paula Vaz, em conversa infinita com Frances Ponge, que arvorecer demora. Desloca-se entre a quimera de um dizer verdadeiro e a fulgurância do seu movimento. Arvorecer demora e, então, somos aspirados para o barro ou a lama do poema. Nesse lugar, os corpos, os telhados, a copa das árvores, o pensamento extenso, a língua, a palavra ofertada são cristais cintilando no espaço de um silêncio tornado vivo. Em nome de poeta, em nome de poema, recolhemos, ainda antes do amanhecer, o conhecimento vegetal que Paula nos oferece: Não se sai de árvore por meios de árvore.
Foi assim, marcado pelo nome vegetal, como um “abrigo na orla do bosque”, que celebramos o lançamento do livro-árvore, de Paula Vaz, neste sábado, 25 de outubro de 2014, na livraria Scriptum, em Belo Horizonte.
“nesta árvore de vida, o declive do telhado é firme, impenetrável à erosão da chuva; como cada um chegou com sua árvore – Holderlin com quaercus, Joshua com pinus lusitanus, Giordano com a sua nogueira, há três árvores em torno da porta aberta de par em par;
(…)
este é, de facto, um bosque de pinheiros marítimos – um pinhal –, e a agitação do vento circula na base, impelindo as janelas a uma velocidade de grande rapidez; aqui as estrelas brilham por cima das cabeças, e os cheiros vindos do mar entram pelas narinas, e os orifícios das raízes;” (LLANSOL, 1985)
Que o nome de poeta, nome de poema, continue arvorecendo nas mãos que sabem que a melhor medida é o rés, a matéria da palavra em estado de larva, o cristal do nome, sua medida vegetal, pedregulho mais brilhante do que o céu.
Arvorecer demora… e “tudo é tão ligeiro que cairá sem se ver”.
Por Paula Vaz* Traducción del portugués al español por Agustín Arosteguy Curador de la muestra Fabrício Marques
EL IDIOMA DE LAS COSAS. 13 POEMAS DE PAULA VAZ EL IDIOMA DE LAS COSAS
El poeta es aquel que habla desde dentro de las cosas.
Es hablando desde dentro de las cosas que ellas se mueven.
Entonces, en estos tiempos sombríos, vamos a comenzar
con un poco de esperanza.
LA ESPERANZA
Si tu antena es más grande que tu cuerpo
puede ser que seas una esperanza
si tu cuerpo es verde
y tiene el formato exacto de una hoja
Si es capaz de incluirse en una selva
y camuflarse allí
a punto de hacer realmente parte de ella
Si cantas como las cigarras
pero tu sonido es inaudible a los oídos humanos
tal vez seas una esperanza
Si tus oídos están instalados en tus piernas
y es con ellas que escuchas el rumbo
que debe dar a tus pasos
si te quedas despierta durante la noche
no por el insomnio sino por el gusto de la noche
si tienes una mirada dirigida al cielo
en el exacto momento en que las rodillas dobladas en el suelo
y si en esta posición en la que parecías querer rezar
saltas bien lejos
si tienes siempre la impresión de que la vida es corta
y sabes que nació en la primavera
que madurece en el verano
pero no soportaría el rigor de una invernada
es bien probable que seas de hecho una esperanza
Si en el otoño como una hoja caes
y dejas en la tierra tu semilla
porque esta sí resiste los tiempos fríos
– encapsulada por una cáscara que se rompe en la primavera –
y si no es tuya sino de tus huevos
que nacen nuevas perspectivas
vos que pensabas que era apenas una hojita
Bendito es un nombre del fruto de vuestro vientre Amén
EL SABER DEL JABÓN
Era preciso lavar
el saber antiguo
los modos de vida consagrados
Era preciso encontrar
otra manera
de rodar la roca de sísifo
porque empujar la roca hasta la cumbre
y verla descender cuesta abajo
vuelve la vida muy cansadora
Era preciso tocar el mundo
sin las manos y, aun así, recrearlo
para que él deje de ser un museo
de viejas novedades
porque de lo alto de la montaña
como decía Ponge
puede haber sí
otro horizonte
que nos conduzca a otra versión
Menos moralismo, más libertad
menos autoritarismo, más humanidad
“SEÑORES Y SEÑORAS LA ILUMINACIÓN ES OBLICUA”
Las leyes del ser han de brotar
al margen de todo pesimismo
a despecho de la falta de sentido del mundo
a pesar de nosotros
El saber del jabón
extraído de la operación de higiene intelectual
hace caer en ruina toda elocuencia
y subir en sordina
pequeñas burbujas de luz
que transmutadas
van ocupando poco a poco
sus espacios en el aire
en reflejos multicolores
que se esparcen en los cielos
LA ESPONJA
Esa manía de dejarse inundar por las aguas,
consentir con la expansión,
y después ese deseo de reclusión a lo poco,
esa voluntad de volver a casa,
retornar al centro. Lo seco.
Y pensar que nada de eso es siempre suave,
ese ir y venir.
Ir y abandonar las formas.
Venir y abandonar las aguas.
Todo ese proceso vivo de sístole y diástole:
cuerpo vivo que no se calla, a no ser en el riesgo
Cuerpo vuelto línea
Vuelto margen.
A pesar del tifón, ahora es como si sonriese por dentro,
con entusiasmo, pero sin alarde.
Hasta que golpeen a la puerta,
hasta que le vuelvan a retumbar, en lo íntimo,
los empujes del mundo.
DESIERTO
Y el desierto es una página en blanco
Ese espacio deshabitado
La mudez de las cosas que pierden
sus nombres
Esas tierras de la sed
Ese territorio negligente
cubierto de escombros
Altar rodeado de velas
Sagrada inquietud
de todo que aún no es
silencio
Todo libro al principio es un desierto
porque no tenemos palabra
para intensidades
y solo interesa escribir
sobre aquello que no tenemos
palabras para decir
Entonces es preciso pescarlas
por el mundo
engendrarlas
hasta sentirnos que conseguimos pasar
el elefante de la soledad
por el agujero de una aguja
Escribir es encontrar el hilo
del agujero de nuestra aguja
donde sea que él esté
en el horizonte
en los bordes del mar
cerca de vos
Es ese escrito que ofrezco
a las palabras que nos transbordan
a las palabras que nos transportan
a los libros que precipitan libros
a los Cuentos de amor y No
Porque El amor no vaciará mis ojos
Nunca más
Escribir es retornar a la sala vacía
a la copa de un árbol
y escuchar lo que vive
Es no estar de acuerdo con las cosas
como son
Es querer modificarlas un poco
y no saber lo que vendrá
Esa moral de ser
en dirección al fulgor
Como diría Duras
escribir en dirección a los desiertos
porque somos todos instruidos en el dolor
Sin sombra
Partidos
Para cada desierto es preciso un artificio
que exprese la lengua
de su naturaleza muda.
El desierto es una página en blanco
LA FLOR
La flor es la causa, el cáliz que aspira la cosa,
por el perfume que emana, los pétalos que sueltan y la
insistencia en vivir suspensa del suelo.
Una flor precisa de espacio para crecer,
y de determinada temperatura.
Algunas prefieren el sol, otras les va mejor
en la sombra,
pero aún existe aquella que necesita de medio día
de sol y medio día de sombra, como las lavandas.
Una flor precisa de agua.
Sin eso, seco el tallo, no realiza su belleza.
Ella deja que el líquido escurra sobre su cuerpo, filtrando
de ella el frescor, pero en contrapartida, de él absorbe el trazo,
que le garantiza el diseño y el color.
EL LABRADOR
En el jardín ahora él da una pisada
Golpea la tierra como quien ara
La lluvia se le escurre
por los pelos
huellas
encharca las zanjas por donde pasó
Liviana
no es la palabra de este gesto
Al final él es un perro
No lo condenen por eso
Sean tolerantes
Inevitable querer canteros
Y esos ojos gratuitos
esa nobleza de quien sabe
que todo amor es mendigo
Esa tentativa de caber
en los contornos de la casa
en los contornos del dueño
en los ojos del dueño
tan mendigos como el perro
como el amor del perro
Ojos que te acechan
desde cualquier lugar de la casa
y que no te piden nada
además de estar allí presente
y que por eso mismo te
piden todo
lo que vos no puedes dar
Alegría de amor una hora te lastima
Labra tu dolor
y articula
Si se sumerge de verdad en las aguas
es porque sabe nadar
Y no vengan a pedirle remanso
o explicarle con las palabras de Paul Ricoeur
que nunca saldremos saciados de esta vida
ya que siempre dejaremos un banquete atrás
El Labrador no tiene pachorra
JAGUAR
Vivir es también
sobrevivir
Y el alimento
variable
¿Qué hay de más salvaje
en el disparo del caballo
en la voracidad del jaguar
en las uñas del cuervo
y en el vuelo del pájaro sobre el abismo?
Es que ahora
el animal quiere hablar
Y se muere
Tantas veces
Ella ruge
Él gruñe
y solo quieren hablar
Cuando aman parece que
quieren hablar aún más
Si se ofenden ellos precisan
hablar
Ella estalla, él aúlla
ellos se arañan
Borrachos de sol
Ávidos de luna
cazan con el oído
la carne
Hasta clavar los dientes en la cáscara de las palabras
¿No es dificil el último rebelde?
Esos animales melánicos
ya sufrieron mutaciones
por eso surgen en la luz
como vestigios de la noche
y ese poder muscular de rasgar el viento
cuando encuentran la presa
divide al medio una selva
EL CABALLO
Digo a los dedos
que paren
Ellos no obedecen
Trotan por encima
de todas las cosas
en disparada
La voz los acompaña
No sé dónde quieren llegar
Parecen querer tirarme al suelo
Me agarro de su cuello
Pero ahora vos ya no trotas
vuelas
Y mis piernas se sueltan de tu dorso
Me agarro más de tu cuello
Sé que quiero llegar a algún lugar
que desconozco
y que solo va a parar allá
donde no sé
Vos saltas la tranquera
Me agarro de tu cuello
Vos llegas adonde quieres
Yo viví
POETAS
Cada poeta que descubro
me apaga entera
Interrumpo la lectura
Un poeta me ara y me destierra
Quiero leer despacio
las palabras que tocaron su cuerpo
antes de ser palabras
Recorrer el ritmo de su respiración
Su letra me asola y me hunde
Deseo para que se demore en mis manos
e intento prevenirme de lo que vendrá
Pero lo que viene me espera
en jaque mate
Su escrito me gana
Me agasajo frente a tu poema
pero él me desviste
Nuestras palabras se encuentran en su línea
y en mi silencio
Nuestras palabras se ven
Antes que nos veamos
Ellas no saben qué hacer
con lo que vieron
Ellas se reviran
por dentro
Mis palabras quieren hacer algo
con las suyas
Ellas no saben qué
Cierro su libro
Lo que sea despertará
PRÓXIMO CARNAVAL
Para el próximo carnaval
quería escribir un poema que regocijase
Un poema que se perdiese en la multitud
entre pedregullos astutos
y audacias postizas
Un poema deformado
un poco embriagado
y que tocable no se hiciese intocado
Vagabundo
arremolinase aleatorio por las esquinas de la ciudad
Desenmascarado
revelase la armadura que lo encarcela
Y como un sueño asintiese las reservas
bailar con sus efluvios
Un poema que saludase la variedad de las cosas
y volviese finita la vastedad de la noche
Para el próximo carnaval yo quería
un poema que mariposease
dando la chance a los ojos de encontrar
lo que quisiesen ver
cuerpo que se acordarse de todo
lo que era por bien olvidar
LA OTRA LENGUA: AMOR
El amor es una vibración de la lengua
cuando se bloquea el sentido de las cosas
Gesto que llega como una palabra nueva
Riesgo que raya el muro del lenguaje
con una felicidad acuñar allí
la chispa de una llama que llama
El amor es un abismo y un lenguaje
el muro que no consigue decirlo
Escribir el amor es escribir en el muro
haciendo en él un agujero
por donde pueda pasar el sol
Un día hice una investigación
y pregunté a las personas
qué era para ellas el amor
Entre muchas respuestas
alguien escribió: es casi música
Tomar partido por la voz
oír el ruido del silencio de las conchas
dejar que el nombre propio penetre
en la mundanidad de las cosas
co-nacer con ellas
a cada mirada que las percibe
por una escritura un gesto
un tono un sonido
Ser un instrumento de música
Para que el mundo suene y resuene
Tal vez el amor sea eso
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(poemas en su idioma original, portugués)
O IDIOMA DAS COISAS.
11+1 POEMAS DO PAULA VAZ
O IDIOMA DAS COISAS
O poeta é aquele que fala de dentro das coisas.
É falando de dentro das coisas que elas se movem.
Então, nesses tempos sombrios, vamos começar
com um pouco de esperança.
A ESPERANÇA
Se sua antena é maior que seu corpo
pode ser que você seja uma esperança
se seu corpo é verde
e tem o formato exato de uma folha
Se é capaz de incluir-se numa floresta
e camuflar-se ali
a ponto de fazer realmente parte dela
Se você canta como as cigarras
mas seu som é inaudível aos ouvidos humanos
talvez você seja uma esperança
Se seus ouvidos estão instalados em suas pernas
e é com elas que você escuta o rumo
que deve dar aos seus passos
se fica acordada durante a noite
não por insônia mas por gosto da noite
se tem o olhar voltado ao céu
no exato momento em que os joelhos dobrados ao chão
e se nessa posição em que parecia querer rezar
você salta para bem longe
se tem sempre a impressão de que a vida é curta
e você sabe que nasceu na primavera
que amadurece no verão
mas não suportaria o rigor de uma invernada
é bem provável que seja mesmo uma esperança
Se no outono como uma folha você cai
e deixa na terra a sua semente
porque essa sim resiste aos tempos frios
– encapsulada por uma casca na que se rompe na primavera –
e se não é de você mas de seus ovos
que nascem novas perspectivas
você que achava que era apenas uma folhinha
Bendito é um nome do fruto do vosso ventre Amém
O SABER DO SABÃO
Era preciso lavar
o saber antigo
os modos de vida consagrados
Era preciso encontrar
uma outra maneira
de rolar o rochedo de sísifo
porque empurrar o rochedo até o cume
e vê-lo descer morro abaixo
torna a vida muito cansativa
Era preciso tocar o mundo
sem as mãos e ainda assim, recriá-lo
para que ele deixe de ser um museu
de velhas novidades
porque do alto da montanha
como dizia Ponge
pode haver sim
um outro horizonte
que nos conduza a uma outra versão
Menos moralismo, mais liberdade
menos autoritarismo, mais humanidade
“SENHORES E SENHORAS A ILUMINAÇÃO É OBLÍQUA»
As leis do ser hão de brotar
à margem de todo pessimismo
a despeito da falta de sentido do mundo
apesar de nós
O saber do sabão
extraído da operação de higiene intelectual
faz cair em ruína toda eloquência
e subir em surdina
pequenas bolhas de luz
que transmutadas
vão ocupando pouco a pouco
seus espaços no ar
em reflexos multicores
que se espalham nos céus
A ESPONJA
Essa mania de se deixar inundar pelas águas,
consentir com a expansão,
e depois esse desejo de reclusão ao pouco,
essa vontade de voltar para casa,
retornar ao centro. O seco.
E pensar que nada disso é sempre suave,
esse ir e vir.
Ir e abandonar as formas,
vir e abandonar as águas.
Todo esse processo vivo de sístole e diástole:
corpo vivo que não se cala, a não ser no risco.
Corpo tornado linha,
tornado margem.
Apesar do tufão, agora é como se sorrisse por dentro,
com entusiasmo, mas sem alarde.
Até que batam à porta,
até que lhe voltem a retumbar, no imo,
os empuxos do mundo.
DESERTO
E o deserto é uma página em branco
Esse espaço desabitado
A mudez das coisas que perdem
os seus nomes
Essas terras da sede
Esse território negligente
coberto de escombros
Altar rodeado de velas
Sagrada inquietude
de tudo que ainda não é
silêncio
Todo livro a princípio é um deserto
porque não temos palavra
para intensidades
e só interessa escrever
sobre aquilo que não temos
palavras para dizer
Então é preciso pescá-las
pelo mundo
engendrá-las
até sentirmos que conseguimos passar
o elefante da solidão
pelo buraco de uma agulha
Escrever é encontrar o fio
do buraco da nossa agulha
onde quer que ele esteja
no horizonte
nas bordas do mar
perto de você
É esse escrito que ofereço
às palavras que nos transbordam
às palavras que nos transportam
aos livros que precipitam livros
aos Contos de amor e Não
Porque O amor não vazará meus olhos
Nunca mais
Escrever é retornar à sala vazia
à copa de uma árvore
e escutar o que vive
É não estar de acordo com as coisas
como são
É querer modificá-las um pouco
e não saber o que virá
Essa moral de ser
em direção ao fulgor
Como diria Duras
escrever em direção aos desertos
porque somos todos instruídos em dor
Sem sombra
Partidos
Para cada deserto é preciso um artifício
que expresse a língua
da sua natureza muda.
O deserto é uma página em branco.
A FLOR
A flor é a causa, o cálice que aspira a coisa,
pelo perfume que emana, as pétalas que soltam e a
insistência de viver suspensa ao chão.
Uma flor precisa de espaço para crescer,
e de determinada temperatura.
Algumas preferem o sol, outras se dão melhor
na sombra,
mais ainda existe aquela que necessita de meio dia
de sol e meio dia de sombra, como as lavandas.
Uma flor precisa de água.
Sem isso, seco o caule, não realiza sua beleza.
Ela deixa que o líquido escorra sobre seu corpo, filtrando
dela o frescor, mas em contrapartida, dele absorve o traço,
que lhe garante o desenho e a cor.
O LABRADOR
No jardim agora ele dá uma pisada
Soca a terra como quem ara
A chuva lhe escorre
pelos pelos
pegadas
encharca os buracos por onde passou
Leviana
não é a palavra deste gesto
Afinal ele é um cão
Não o condenem por isso
Sejam tolerantes
Inevitável querer canteiros
E esses olhos gratuitos
essa nobreza de quem sabe
que todo amor é mendigo
Essa tentativa de caber
nos contornos da casa
nos contornos do dono
nos olhos do dono
tão mendigos como o cão
como o amor do cão
Olhos que te espreitam
de qualquer lugar da casa
e que não te pedem nada
além de estar ali presente
e que por isso mesmo te
pedem tudo
o que você não pode dar
Alegria de amor uma hora te machuca
Labra tua dor
e articula
Se mergulha para valer nas águas
é porque sabe nadar
E não venham lhe pedir remanço
ou explicar-lhe com as palavras de Paul Ricoeur
que nunca sairemos saciados desta vida
já que sempre deixaremos um banquete para trás
O Labrador não tem pachorra
A ONÇA
Viver é também
sobreviver
E o alimento
variável
O que há de mais selvagem
no disparo do cavalo
na voracidade da onça
nas unhas do corvo
e no voo do pássaro sobre o abismo?
É que agora
o animal quer falar
E morre-se
Tantas vezes
Ela ruge
Ele rosna
e só querem falar
Quando amam parece que
querem falar mais ainda
Se se ofendem eles precisam
falar
Ela esturra, ele uiva
eles se arranham
Bêbados de sol
Ávidos de lua
caçam com o ouvido
a carne
Até cravar os dentes no casco das palavras
Não é o difícil oúltimo rebelde?
Esses animais melânicos
já sofreram mutações
por isso surgem na luz
como vestígios da noite
e esse poder muscular de rasgar o vento
quando encontram
divide ao meio uma floresta
O CAVALO
Digo aos dedos
que parem
Eles não obedecem
Trotam por cima
de todas as coisas
em disparado
A voz os acompanha
Não sei onde querem chegar
Parecem querer me jogar no chão
Agarro me em seu pescoço
mas agora você já não trota
voa
E minhas pernas se soltam do seu dorso
Agarro mais em seu pescoço
Sei que quer chegar a algum lugar
que desconheço
e que só vai parar lá
onde não sei
Voce salta a porteira
Eu agarro em seu pescoço
Você chega onde quer
Eu vivi
POETAS
Cada poeta que descubro
me apaga inteira
Interrompo a leitura
Um poeta me ara e me desterra
Quero ler devagar
as palavras que tocaram seu corpo
antes de serem palavras
Palmilhar o ritmo da sua respiração
Sua letra me assola e me afunda
Torço para que se demore em minhas mãos
e tento me prevenir do que virá
Mas o que vem me espera
em xeque- mate
O seu escrito me ganha
Agasalho-me frente ao teu poema
mas ele me despe
Nossas palavras se encontram na sua linha
e no meu silêncio
Nossas palavras se veem
antes que nos vejamos
Elas não sabem o que fazer
com o que viram
Elas se reviram
por dentro
Minhas palavras querem fazer algo
com as suas
Elas não sabem o quê
Fecho seu livro
O que for acordará
PRÓXIMO CARNAVAL
Para o próximo carnaval
queria escrever um poema que jubilasse
Um poema que se perdesse na multidão
entre pedregulhos ardilosos
e audácias postiças
Um poema desenformado
um pouco embriagado
e que tocante não se fizesse intocado
Vagabundo
rodopiasse aleatório pelas quinas da cidade
Desmascarado
revelasse a armadura que encouraça
E como um sonho anuísse as reservas
bailar com seus eflúvios
Um poema que saudasse a variedade das coisas
e tornasse finita a vastidão da noite
Para o próximo carnaval eu queria
um poema que mariposasse
dando chance aos olhos encontrar
o que quisessem ver
corpo a se lembrar de tudo
o que era por bem esquecer
A OUTRA LÍNGUA: AMOR
O amor é uma vibração da língua
quando barrado o sentido das coisas
Gesto que chega como uma palavra nova
Risco que risca o muro da linguagem
com uma felicidade de cunhar ali
a faísca de uma chama que chama
O amor é um abismo e a linguagem
o muro que não consegue dizê-lo
Escrever o amor é escrever no muro
fazendo nele um buraco
por onde possa passar o sol
Um dia fiz uma pesquisa
e perguntei as pessoas
o que era para elas o amor
Entre muitas respostas
alguém escreveu: é quase música
Tomar o partido da voz
ouvir o ruído do silêncio das conchas
deixar que o nome próprio penetre
na mundaneidade das coisas
co-nascer com elas
a cada olhar que as percebe
por uma escritura um gesto
um tom um som
Ser um instrumento de música
para que o mundo soe e ressoe
Talvez o amor seja isso
*(BELO HORIZONTE-BRASIL, 1973). POETA, ESCRITORA Y PSICOANALISTA. HA PUBLICADO EN POESÍA NÃO SE SAI DE ÁRVORE POR MEIO DE ÁRVORE: PONGE (2014), A OUTRA LÍNGUA: AMOR (2016) Y DESERTO (2018).
A escritora e psicanalista Paula Vaz acaba de lançar seu terceiro livro. Intitulada “Deserto” (c’asa edições), a publicação é um grande poema sobre os desertos que atravessam o ser humano, uma tentativa de costurar palavras e sentimentos que decodifiquem as tempestades e a aridez dessa travessia.
Paula buscou nos livros da escritora, ensaísta e acadêmica Lucia Castello Branco versos e expressões para desenhar seu mosaico. “É muito o que faço como leitora e como alguém que escreve. Faço falar as coisas, os autores que amo, e, por meio desse processo, faço falar a mim mesma”, elucida. Títulos como “Contos de Amor e Não”, “Nunca Mais” e “O Amor Não Vazará Meus Olhos” serviram como um grande dicionário para a escritora.
A obra teve a aval de Lucia Castello Branco. “As palavras não são minhas, são completamente suas”, foi o que Paula ouviu da escritora que, além de ser fio condutor, assina o posfácio do livro. Nele, Lucia traça o caminho percorrido por Paula em suas duas primeiras obras até desaguar em “Deserto”.
“Sou uma menina no areal. Não, não é o deserto ainda. São dunas, areias do mar. Olho para o mar com nostalgia, porque sei que vou perdê-lo. Ninguém me disse isso, mas eu sempre soube”. Este é um dos trechos que dá o tom da obra, escrita em apenas um dia e uma madrugada. “Foi um processo interessante porque toda experiência do deserto emudece. Deserto é justamente isso, a falta de palavras quando se depara com essa vastidão sem nome. E ao terminar de escrever, tive a sensação de que falei tudo o que precisava”, conta.
Um livro que pode, também, ser considerado um romance. Pequeno, mas intenso, ele faz parte da coleção “Livros Mínimos”, da Cas’a’screver. O processo contou com curadoria e edição de Janaina de Paula, e da arquiteta, tradutora e escritora Camila Morais. Os desenhos são de Julia Panadés, professora da Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais, e o projeto gráfico é assinado por Fernanda Gontijo.
Paula divide a noite com a poetisa e ensaísta Maraíza Labanca, que lança o livro “Partituras”. Labanca também é uma das editoras da Cas’a’screver, e está à frente do Espaço a’mais – destinado a cursos relacionados à literatura, filosofia e psicanálise.
Relações entre literatura e psicanálise foram abordadas pela autora, em entrevista ao Universo Literário
No livro Deserto, a escritora e psicanalista mineira Paula Vaz explora a vastidão e os desertos que atravessam o ser humano. Para compor o romance-poema, a escritora buscou referências na obra da ensaísta Lucia Castello Branco, e trabalhou com o objetivo de compreender as tempestades e a aridez da travessia desses desertos que perpassam a experiência humana.
Nos versos de Deserto, Paula Vaz buscou retratar os encontros afetivos e o processo de escrita, inaugurando uma nova linguagem em sua produção literária.
Nesta quarta-feira, 30, Paula Vaz falou sobre a obra, suas referências e as relações entre literatura e psicanálise, em entrevista ao programa Universo Literário, da Rádio UFMG Educativa.
Volumes assinados pelas escritoras Adriana Versiani dos Anjos e Paula Vaz nos fazem lembrar que letras também são desenhos
Mário Alex Rosa
Especial para o EM
Não é novidade que a poesia contemporânea brasileira é diversa em linguagens, propostas editoriais com livros diferenciados em seus formatos. Para além dos poemas, há um cuidado editorial no formato que cada livro recebe. Vão desde a tipografia tradicional, passando por costuras, tipos e gramaturas de papéis diversos. Além disso, recebem gravuras, desenhos, intervenções tipográficas que fazem dessas edições projetos de rara beleza tanto para os olhos quanto para as mãos, pois são livros, digamos, sensitivos. Editoras como a Impressões de Minas e a Cas’a Edições, de Belo Horizonte, a Quelônio, em São Paulo, têm editado livros em que a qualidade sobressai em conjunto com o que lemos no miolo de suas edições. Numa simplificação rasa poderia dizer que há uma estreita e justa combinação entre forma e conteúdo nas edições. Afora esses três exemplos editoriais, há projetos mais “alternativos” e que não chegam a se configurar como editora propriamente dita, como é o caso da Tipografia do Zé, fixada no bairro Paraíso (me perdoem a liberdade, mas lá é o paraíso dos tipos móveis), na capital mineira.
A propósito disso, essas duas casas editoriais lançaram recentemente dois livros agradabilíssimos tanto no formato quanto no que encontramos dentro. “O reino animal da poesia”, de Paula Vaz (Casa’a edições, 2022) e “Jardim de tanka”, de Adriana Versiani dos Anjos (Tipografia do Zé, 2023) primam pelo cuidado gráfico, pelas cores, fontes, capa, costura etc. São dois livros de poesia que podem cooptar rapidamente os leitores, sobretudo aqueles que admiram livros enquanto objetos. As ilustrações de Júlia Panadés, no de Paula Vaz, são de encher os olhos, desenhos que parecem sair de algum lugar e vão aos poucos ocupando os quatro cantos de algumas páginas do livro. Em “Jardim de tanka”, como não poderia deixar de ser, os tipos móveis/letras desenham as páginas como se quisessem nos lembrar de que letra é desenho também. Entre folhas coloridas, letras ganham alegria nos jardins/folhas nos poemas de Adriana Versiani.
Sem filiar-se a nenhum modismo literário ou de gênero, Adriana Versiani e Paula Vaz, cada uma ao seu modo, vêm atuando no cenário da poesia mineira já há um bom tempo. Paula, com apenas três publicações, mas todas editadas com requinte gráfico, com destaque para a ousadia do primeiro livro “Não se sai de árvore por meios de árvore” (2014) e no terceiro “O reino animal da poesia”. Adriana Versiani, além de ter publicado mais (“Arqueologia da calçada”, 2018, e a luxuosa edição “Diário de A”, 2013), inclusive preciosas plaquetes (“Conto dos dias”, 2007, “A lâmina que matou meu pai”, 2012, “Na sala do piano com Eulália”, 2023), é uma poeta que atua em jornais, revistas, performances, projetos coletivos.
Os dois livros são magrinhos, um com 17 poemas e outro com 13. Em “O reino animal da poesia” o olhar é atentamente voltado para alguns animais como se no silêncio ou no movimento deles a poeta captasse seus sentidos, não importa se é um bicho asqueroso (barata) ou o afeto de outros como o belo poema “O Labrador”. O que interessa à poeta é dar aos bichos a dignidade e o valor de cada um. O reino da poesia não escolhe isto ou aquilo, mas cobra do poeta o que não pode faltar: saber habitar as palavras, e isto a poeta Paula Vaz sabe fazer olhando o tempo da tartaruga, ouvindo o som perturbador de uma mosca: “Vibra, mosca, vibra!// azar dos humanos/se não vibram.//Muitos demoram/a vida toda para saber/que já morreram”. Ou a troca de olhares silenciosos entre nós e um cão ou um gato. O reino animal humanamente está na poesia desse belo livro de Paula Vaz.
Ouro Preto
Sem se vincular a uma tradição nipônica da forma dos tankas ou aos jardins japoneses, a poeta Adriana Versiani se deu a liberdade de compor seus “jardins” olhando profundamente para sua cidade natal: Ouro Preto. Um olhar para jardins internos, recolhidos nos fundos dos casarios de passados que parecem sempre presentes quando avistamos Ouro Preto. Esse livro, tão cuidadosamente editado, celebra uma poeta amadurecida do seu ofício em saber “plantar” versos ao mesmo tempo intuitivamente e rigorosos; como exemplo cito, apenas um dos “tankas”, esse que, mais que música longínqua, na concisa construção rebate e ecoa sonoramente: “Cabeça de névoa/música de cantaria/na Vila Rica//Nessa bateia eu sou só/sonata perdida em dó”.
Na apresentação do poeta Marcelo Dolabela, ele diz que este livro “é, sem dúvida, o melhor trabalho dela. Um passeio à frente – na poética – e um pas-de-deux atrás. Sabendo que o leitmotiv do livro é Ouro Preto, a cidade natal dela”. Não sei se posso concordar totalmente com o saudoso Dolabela, mas “Jardim de tanka” é um delicado grande livro de uma poeta singular.
* Mário Alex Rosa é poeta, artista plástico e crítico literário, mestre e doutorando em literatura brasileira
Paula Vaz lança “Não Se Sai de Árvore por Meios de Árvore” hoje de manhã na livraria Scriptum
Por Carlos Andrei Siquara Publicado em 25 de outubro de 2014 | 04h00 – Atualizado em 25 de outubro de 2014 | 04h03
A psicanalista Paula Vaz, quando conheceu os escritos do francês Francis Ponge (1899–1988), reconheceu neles várias possibilidades de diálogo com a obra do também psicanalista Jacques Lacan (1901–1981). O interesse dela pela poesia do primeiro se tornou crescente, e a levou a diversos outros títulos do escritor. Resulta desse processo o livro “Não Se Sai de Árvore por Meios de Árvore”, que ela lança hoje, na livraria Scriptum.
Inspirado pela linguagem desenvolvida por Ponge, o seu trabalho traz um ensaio sobre o olhar do escritor, além de alguns poemas dela mesma. “Eu busco apresentar um pouco sobre esse poeta, interpretando parte de sua obra, ou seja, há uma leitura minha sobre o que ele escreveu. Eu trago textos de minha autoria e fragmentos dos de Ponge”, explica Paula Vaz.
De acordo com ela, o francês costumava se referir ao que produzia como “proemas”, em razão do texto estar localizado na fronteira entre a prosa e a poesia. “Ele concebeu uma prosa poética, que, às vezes, se revela um pouco estranha. Por isso, talvez, ainda hoje ele seja pouco traduzido no Brasil”, pontua a autora.
Paula chama atenção para a recorrência de um tema na literatura de Ponge que é a escrita motivada por determinados objetos. “Diante de algo que o perturba ele tenta descrevê-lo, mas não com os significados que já existem. A sensação que dá é que Ponge vai girando o objeto, buscando ângulos pouco explorados, desmembrando, assim, ideias e significados em torno dele. A partir disso, ele renomeia aquele objeto, reconfigurado como elo no processo de escrita”, observa ela.
Para frisar essa noção de materialidade presente na literatura de Ponge, Paula sublinha que concebeu um livro que brinca com os sentidos por meio de imagens e sons. Junto vem um CD, no qual ela recita textos dele.
“O livro traz algumas fotografias que eu produzi na região da Provença onde ele viveu os primeiros anos de vida, mas também de outros lugares, criando um cenário imagético que dialoga com a obra de Ponge”, diz.
Ao refletir sobre a relação entre a escrita dele e a psicanálise, ela afirma que o francês apresenta um discurso muito próximo do percurso analítico. “Eu acredito que a obra de Ponge pode ter contribuído, inclusive, para Lacan formalizar conceitos importantes para a psicanálise”, conlui.