Deserto é um poema que aborda os encontros e seus percalços. Do arrebatamento à devastação amorosa e o que daí renasce.
O reino animal da poesia
Depois das árvores de Francis Ponge, reino vegetal da poesia, Paula Vaz toma agora o partido dos animais . É preciso ouvir o que já não fala mais.
Paula Vaz e Marcelo Ariel promovem noite dupla de autógrafos na Quixote
Lançamento duplo vai reunir a escritora e psicanalista Paula Vaz e o poeta e filósofo Marcelo Ariel, nesta quarta-feira (7/12) à noite, na Quixote. Ela autografa “O reino animal da poesia” (Cas’a Edições); ele, “22 clareiras e um abismo” (Letra Selvagem). Recorrendo a símbolos distintos, ambas as obras estão situadas no cruzamento de poesia e ensaio, segundo os autores.
Marcelo e Paula se conhecem desde meados da década passada (ele assina a orelha do livro dela) e entendem a escrita poética como uma espécie de pesquisa.
Sucessor de “Não se sai da árvore por meios de árvore, Ponge-Poesia” (2014), “A outra língua: amor” (2016) e “Deserto” (2018), “O reino animal da poesia” se vale dos bichos como veículo para expressar o que está além do humano, aponta Paula Vaz.
Voo e enigma
A autora diz que escreveu o novo livro impactada pelo atual contexto do Brasil e do mundo. “A linguagem humana é coberta por narrativas, filtros, impressões. Senti necessidade de ir além, como se precisasse ouvir o que uiva, o que ruge, o que voa, o que tanto mata quanto copula, o que rasga o sentido das coisas, o que planta de volta o enigma”, diz ela.
De acordo com a autora, “O reino animal da poesia” se relaciona com as possibilidades entre o humano e o inumano.
“Quanto mais humanos achamos que somos e mais afastados deste animal que também somos, mais reagimos ao mundo raivosamente, reativamente. Por outro lado, se não podemos ter um humanismo cândido, é porque não podemos domar a pulsão. Ela insiste, fica de fora do simbólico, mas tem fome, tem sede. Então, preciso alimentá-la de alguma maneira”, pontua.
A poesia acolhe essa pulsão sem reprimi-la, acredita Paula. A forma como os animais se expressam vai além do racional e, em certa medida, a poesia também é assim, posto que não se apresenta como a linguagem humana cotidiana, afirma a escritora.
“Eu estava às voltas com a questão da razão, como se ela não fosse mesmo suficiente para dar conta da existência humana. As leis do universo também são apreendidas por ressonância. É preciso ouvir o animal em nós, com seu olhar doce, sua delicadeza, sua violência, sua fome e sua busca por alimento”, aponta.
O novo livro dá continuidade à “pesquisa de sentimento” que Paula desenvolve desde sua estreia literária.
“Começo no reino vegetal, passo pela outra língua, que é o amor, depois pelo deserto e agora chego ao reino animal da poesia. O livro dá continuidade aos anteriores. Minha poesia é também uma espécie de ensaio sobre a escrita, sobre a vida, então os livros se comunicam”, ressalta.
Poema-ensaio e tarô
A mesma instância algo metafísica atravessa o livro de Marcelo Ariel. “22 clareiras e 1 abismo” propõe, por meio do poema-ensaio, uma análise filosófica e política da situação da humanidade hoje, explica o autor.
A obra é um tratado de simbologia que se vale dos arcanos maiores do tarô, o que deriva do estudo sobre as “metáforas originárias”, detalha.
símbolos Interessado em descobrir a linguagem dos símbolos, Marcelo chegou ao tarô, cujas origens remontam à obra do autor italiano Francesco Petrarca (1304-1374).
“É um símbolo que atravessa as bolhas da cultura, pode ser encontrado no cinema, nas artes plásticas, na literatura. Jung descobriu no tarô a síntese arquetípica da humanidade, por isso me interessei por ele”, diz.
O novo livro, com cerca de 60 páginas, reflete essa busca. “A síntese é um atributo do pensamento do devir, do futuro. Penso que estamos condenados à síntese, à improvisação e à mistura. Meu livro adere ao hibridismo e às mutações, abarca várias categorias do saber”, aponta.
Marcelo Ariel destaca que a mistura de poesia e filosofia atravessa toda sua obra, chegando de forma exacerbada a “22 clareiras e 1 abismo”.
“Busquei tensionar ao máximo a metáfora e a analogia, o que leva à exposição mais nítida e mais profunda do pensamento que há no poema”, sublinha.
PAULA VAZ E MARCELO ARIEL
• Lançamento dos livros “O reino animal da poesia” e “22 clareiras e 1 abismo”.
• Nesta quarta-feira (7/12), das 18h às 21h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi).
Reino Vegetal da Poesia
Carlos Herculano Lopes
Formada em psicologia pela PUC Minas, com especialização em psicanálise e uma velha paixão pela escrita, que começou a exercitar ainda na adolescência, porque “se sentia muito sozinha”, Paula Vaz faz sua estreia na literatura com Não se sai de árvore por meios de árvore. Foi uma tarefa difícil à qual a autora se lançou: colher fragmentos de escritos do poeta francês Francis Ponge em momentos diversos de sua obra; em seguida, recortá-los e depois criar em cima outro texto.
“O que está em itálico são palavras do poeta editadas dessa forma. Depois de cada sessão, introduzida dessa maneira atávica, escrevo com minhas palavras uma leitura da escritura de Ponge. Palavras que, por ora, carregam os significados do poeta que já fazem parte de mim”, afirma Paula.
Apesar da complexidade do método, a escritora deu conta do recado, como atestam os textos de apresentação assinados por Ruth Silviano Brandão e Lúcia Castello Branco, professoras de literatura da UFMG. Para Lúcia, Paula Vaz já habitava o “reino vegetal” quando encontrou Ponge. “Parece-me que foi a seu lado que ela descobriu a comunidade vegetal com que viria, mais tarde, a conviver. Foi também com ele, parece-me, que ela pôde experimentar, no exercício de sua escrita, a matéria lenhosa da língua. Embora ela já a conhecesse – de ouvido, talvez –, em sua prática da psicanálise”, afirma.
Nascida em Belo Horizonte em 1973, Paula Vaz, que transita sem maiores problemas entre a escrita e a psicanálise – “uma função acaba complementando a outra” –, conta ter tomado conhecimento da obra de Francis Ponge há algum tempo, quando leu o livro Métodos, no qual o poeta vem a público falar sobre seu processo criativo. Depois foi a vez de O partido das coisas. E não parou mais. “Para mim, o impacto dessas leituras foi marcante. Foi como se tivesse me encontrado com o meu próprio pensamento”, diz a escritora.
Viva voz
Para uma melhor compreensão do seu trabalho, Paula resolveu dividir o livro em três partes. A primeira ganhou o nome de Objeto em jogo e é sobre Francis Ponge, considerada por Paula “a razão de ser do livro”. Na segunda parte, Canteiro de obra, a escritora fala do próprio processo criativo, ou “a poesia como um fazer que se assemelha ao trabalho de um artesão”. Para, finalmente, em O reino vegetal, discorrer sobre os estados do ser, nos quais todos estamos inseridos.
O livro traz ainda um CD que reproduz textos e fragmentos lidos pela autora no programa Migalhas literárias, veiculado pela Rádio UFMG Educativa, além de uma série de fotografias feitas por ela em suas viagens pelo mundo. Paula conta ainda que já está em processo de criação do segundo livro, Atire a primeira pedra neste velho coração cansado. “Estou gostando dessa nova experiência e escrevendo com muita paixão”, diz.